"O meu filho gagueja... E agora?"

10-07-2019

O seu filho, às vezes, repete palavras ou sílabas e está preocupado que ele fique gago para o resto da vida? Não se deve preocupar demasiadamente: muitas crianças entre os 2 e os 5 anos passam por uma fase em que "gaguejam". A maioria ultrapassa esta fase sem problemas. No entanto, em alguns casos, esta dificuldade normal pode transformar-se em gaguez. Assim, as crianças que gaguejam e não ultrapassam esta fase espontaneamente, precisarão da ajuda dos pais e, algumas vezes, do Terapeuta da Fala.

Porque surge a gaguez?

Sem que tenham consciência, as crianças começam a tropeçar nas palavras e nas sílabas, apresentando dificuldade em verbalizar alguns pensamentos, especialmente quando estão cansadas, excitadas ou irritadas. No seu discurso podem aparecer caraterísticas particulares, como interjeições ("Oh, oh, oh, mãe. Dás-me o, humm... humm..., o carro dos bombeiros?"), repetição de palavras ("Eu, eu, eu quero o gelado!") ou repetição de sílabas ("bo-bo-bola"). À medida que as crianças praticam a sua linguagem estas repetições tendem a desaparecer. 

Mas nem sempre é assim e, por vezes, estas caraterísticas instalam-se, dando lugar à gaguez. Atrapalhar-se de vez em quando com palavras é diferente de ter gaguez verdadeiramente.

A "disfluência" - popularmente designada por gaguez - é uma alteração no ritmo normal da fala. Não há uma causa específica para esta disfluência. Assim, pensa-se que são vários os fatores (hereditários, neurológicos, ambientais, ...) que interferem com o tempo e o ritmo da fala. Da mesma forma que algumas crianças têm dificuldade em chutar uma bola, outras têm dificuldade na coordenação verbal para falar claramente e com rapidez. Mas isso não tem nada a ver com inteligência, nem é um sinal de falta de estímulo familiar. Fatores que geram stress, como entrar ou mudar de escola ou o nascimento de um irmão, podem agravar a gaguez, mas não são a sua causa.

O que posso fazer para ajudar o meu filho?

    ● Não deixe que a criança perceba, através de gestos, ações ou palavras, que está preocupado com a sua maneira de falar. Caso mostre preocupação, a criança poderá tomar consciência do próprio problema e, com isto, piorar a "gaguez".

    ● Não pronuncie a palavra "gaguejar" na presença da criança, nem a chame "gaga": sentir-se-á rotulada e envergonhada. Contudo, se notar que a criança está preocupada com a sua forma de falar, diga-lhe que "tropeçar nas palavras" é normal pois ainda está a aprender a falar.

    Não interrompa a criança quando estiver a contar alguma coisa, nem termine as suas frases. Se tiver mesmo de a interromper, faça-o no final de uma frase e nunca no início ou no meio. Deve ainda sensibilizar as pessoas mais próximas (familiares, amigos, professores) para que façam o mesmo.

    ● Se num determinado momento não tiver tempo para esperar que a criança termine de contar um acontecimento, em vez de simplesmente "virar costas" e prestar atenção noutra coisa, explique que não pode falar agora porque está ocupada. Prometa que vai avisá-la assim que estiver livre: e faça-o mesmo.

    Não faça demasiadas perguntas: as crianças falam mais e melhor se expressarem as suas ideias livremente.

    As pessoas mais próximas (pais, irmãos, professores, amigos...) são modelos privilegiados para a criança. Assim, fale pausadamente, sem pressa e em tom sereno. Se falar muito rápido, a criança tenderá a acelerar o discurso para o acompanhar.

    Promova a melhoria da autoestima da criança elogiando as suas qualidades, desenhos ou comportamentos, sempre que se proporcione.

     Não obrigue a criança a falar à frente de pessoas se ela não quiser ou não se sentir à vontade, pois esta situação poderá gerar nervosismo e aumentar as disfluências.

    Não diga à criança para "não ter medo de falar", "ficar calma", "respirar antes de falar", "falar mais devagar" ou "começar de novo". Ao querer ajudar, pode aumentar o problema e deixar a criança mais nervosa e inibida.

    Se a criança estiver num dia em que "gagueje" pouco ou quase nada, arranje brincadeiras em que ela fale bastante: contar histórias, visitar um amigo, fazer compras, conversar... Aproveite mostrar à criança como está a falar bem;

    Se a criança estiver num dia em que "gagueje" muito, promova atividades em que ela possa permanecer calada: ver televisão, ouvir histórias, recortar, colar, desenhar... Evite situações que exponham a fala da criança.

    Leia histórias com e para a criança. Encoraje-a a contar aquelas que sabe que se sente confortável e mais confiante. Nestas situações as disfluências tendem a diminuir.

    ● Invente brincadeiras de cantar em coro, dizer rimas e lengalengas ao mesmo tempo ou repetir o que alguém diz. Assim, promove o desenvolvimento da linguagem e diminui a frequência das disfluências.

Em família, reserve diariamente algum tempo para conversas agradáveis e tranquilas com a criança. A hora das refeições ou o ritual da hora de dormir podem ser excelentes oportunidades para isso.


Estima-se que 1% da população mundial apresente gaguez. Em Portugal existirão aproximadamente 100.000 jovens e adultos que gaguejam. Esta patologia é cerca de 4 vezes mais comum no género masculino. Aproximadamente 5% de todas as crianças passam por um período em que o seu discurso pode apresentar disfluências. Tal acontece durante cerca de 3 meses e em 75% dos casos recupera espontaneamente. Se essa recuperação não ocorrer ao fim de 3 meses ou se surgirem outros comportamentos associados, é importante procurar ajuda de um Terapeuta da Fala. 


Dra Telma Pereira [Terapeuta da Fala » Centro de Desenvolvimento Acentuar | Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal]

Fontes: ASHA, 2019Mayo Foundation for Medical Education and Research, 2011 | NHS Choices, 2012 | Stuttering Foundation of America, 2013

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