Verdades e Mitos sobre Dislexia
Em idade escolar, a Dislexia é, provavelmente, o diagnóstico realizado com maior frequência perante uma criança que apresenta dificuldades significativas e persistentes na aprendizagem da leitura e da escrita. Estas dificuldades não resultam de défices cognitivos, sensoriais, motores ou lesões neurológicas. Advêm, no entanto, de alterações linguísticas no domínio fonológico, que são inesperadas em comparação com outras capacidades e condições educativas.
O que aconteceu de inesperado?
Durante muitos anos o diagnóstico de Dislexia foi realizado através de critérios de exclusão (p.e.: ausência de défices cognitivos, sensoriais, motores ou lesões neurológicas). Atualmente o principal critério de inclusão prende-se com a presença de dificuldades fonológicas (p.e.: memória auditiva, consciência fonológica, soletração, conversão letra-som na leitura, conversão som-letra na escrita).
A Dislexia apresenta um componente genético e hereditário acentuado, ainda que não tendo sido até ao momento possível identificar com precisão os genes responsáveis pelas dificuldades. Verifica-se ainda que as pessoas com Dislexia apresentam estruturas neuroanatómicas específicas (p.e.: falta de assimetria entre hemisférios cerebrais) e disfunção cerebral para a linguagem, com padrões anormais de ativação durante a realização de tarefas de linguagem oral e escrita.
Podemos assim verificar que o inesperado aconteceu no cérebro ainda em fase embrionária, sendo por isso a Dislexia considerada uma patologia neurobiológica.
Verdades e Mitos...
"Ele tem dislexia porque não se esforça na escola. É muito preguiçoso!"
MITO: as causas da dislexia são genéticas, hereditárias, neuroanatómicas e neurofisiológicas. Nenhuma criança tem dislexia devido a causas ambientais e/ou de personalidade.
"Cerca de 5% das crianças apresenta dislexia."
VERDADE: em cada turma existe, em média, um aluno com dislexia.
"Se a intervenção for bem feita, em menos de 6 meses a criança com dislexia deixa de ter dificuldades."
MITO: não existem intervenções e/ou correções rápidas para a dislexia.
"Quando andava na escola também tive dislexia, mas agora já não tenho."
MITO: ainda que os sintomas se atenuem ao longo da vida, a Dislexia não é um simples atraso. A Dislexia não tem cura.
"A dislexia tem como causa dificuldades linguísticas."
VERDADE: as causas não se prendem com alterações visuais, emocionais e/ou de "preguiça".
"As pessoas com dislexia apresentam sempre dificuldades na leitura e/ou na escrita."
VERDADE: ainda que frequentemente apresentem historial de dificuldades na oralidade, Dislexia não é sinónimo de dificuldades na fala.
"A criança só pode beneficiar de intervenção especializada após ter sido diagnosticada."
MITO: a criança não precisa chegar aos 8 anos para ser diagnosticada e só posteriormente beneficiar de intervenção especializada. Os profissionais devem atuar nas dificuldades e não no diagnóstico, independentemente da idade e ano escolar.
"O meu filho tem dislexia porque o professor ensinou-o através do método das 28 palavras!"
MITO: um aprendente bem sucedido, aprende através de qualquer método. Ainda que os alunos com dislexia precisem de métodos multissensoriais específicos às suas dificuldades, o método aplicado na sala de aula não provoca Dislexia.
Factos sobre DISLEXIA
Ainda em idade pré escolar as crianças manifestam, frequentemente, sinais de alerta que fazem prever um posterior diagnóstico de Dislexia - atraso no desenvolvimento da linguagem, dificuldades em articular as palavras, na memorização de músicas, na criação de rimas, entre outros.
Mais de 60% das crianças que manifestam dificuldades na linguagem oral até aos 6 anos, apresentam diagnóstico de Dislexia em idade escolar - estudos mostram que a percentagem baixa para 35% quando as crianças beneficiam de intervenção sistemática e efetiva em Terapia da Fala em idade pré escolar.
O diagnóstico de Dislexia só pode ser realizado após a entrada para a escolaridade básica - idealmente após o primeiro período do 2º ano de escolaridade.
O diagnóstico de Dislexia é realizado sempre por uma equipa multidisciplinar - constituída obrigatoriamente por terapeutas da fala, psicólogos, professores e pais. Sempre que se justificar esta equipa deve ainda contar com a presença de terapeutas ocupacionais, audiologistas, neuropediatras, entre outros.
Frequentemente a avaliação é liderada pelo terapeuta da fala que reúne, sintetiza e integra o resultado das avaliações dos vários profissionais e informação dos professores e pais - realizando um diagnóstico diferencial entre as várias patologias da linguagem, onde se inclui a Dislexia.
A avaliação da Dislexia é realizada através do recurso a instrumentos padronizados, por referência à norma e ao critério - é impossível que um diagnóstico seja realizado através de meras avaliações informais.
A intervenção em Dislexia requer métodos específicos aplicados por profissionais especializados, através de práticas baseadas em evidências científicas - a medicação, os suplementos vitamínicos, o uso de lentes/óculos especiais, a aplicação de alguns métodos de ensino de leitura e escrita, não apresentam comprovação científica.
Dra Telma Pereira [Terapeuta da Fala » Centro de Desenvolvimento Acentuar | Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal]
Fontes: APA (2013). DSM 5: Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais. Lisboa: Climepsi Editores. | Bishop, D. V. M. (2001). Genetic influences on language impairment and literacy problems in children: Same or different? Journal of Child Psychology and Psychiatry, 42, 189-198. | Bishop, D. V. M. & Snowling M. J. (2004) Developmental Dyslexia and Specific Language Impairment: Same or Different? Psychological Bulletin, 130, 858-886 | Gallagher, A., Frith, U., & Snowling, M. J. (2000). Precursors of literacy delay among children at genetic risk of dyslexia. Journal of Child Psychology ,134, 3044-3058. | Habib, M. (2000). The neurological basis of developmental dyslexia: An overview and working hypothesis. Brain, 123, 2373-2399. | International Dyslexia Association (2014). IDA Dyslexia handbook: What every family should know. Baltimore: International Dyslexia Association. | Shaywitz, M. S. (2008). Vencer a dislexia: Como dar resposta às perturbações da leitura em qualquer fase da vida. Porto: Porto Editora. | Snowling, M. J. (1981).Phonemic deficits in developmental dyslexia.Psychological Research, 43, 219-234. | Vale, A. P., Sucena, A., & Viana, F. L. (2011). Prevalência da dislexia entre crianças do 1º ciclo do ensino básico falantes do português europeu. Revista Lusófona de Educação, 18, 45-56. | World Federation of Neurology (1968). Report of research group on dyslexia and world illiteracy. Dallas: WFN.